A tragédia de Brumadinho trouxe novamente à tona o risco imposto à população das cidades que possuem barragens de rejeito provenientes de atividades de mineração. Na Bahia existem 14 barragens, e entre estas, estudos apontam que as que representam maior potencial de dano estão nas cidades de Jacobina (duas), Santa Luz (uma) e Itagibá (uma). A intensificação do monitoramento das unidades é uma medida preventiva.

Em Jacobina o Ministério Público da Bahia, através da Promotoria de Justiça especializada em meio ambiente de âmbito regional com sede em Jacobina, representada pelo Promotor Pablo Almeida, informa que foram inspecionadas as duas barragens de rejeitos da empresa Jacobina Mineração e Comércio Ltda, controlada pela multinacional Yamana – Gold.

As inspeções foram feitas no dia 22 de janeiro de 2019, última terça-feira, em complementação a inspeção realizada de 10 a 19 de setembro de 2018 pela equipe técnica da Central de Apoio Técnico do MP - Ba, CEAT, no bojo de Inquérito Civil em tramitação, tombado sob o n. 702.9.76928/2017.

Ainda segundo o MP, a empresa Jacobina Mineração e Comércio Ltda, em verdade, possui 02 (duas) barragens de rejeitos de mineração, uma ao lado da outra, denominadas de BI e BII, a primeira em processo de fechamento e a segunda em atividade.

A B1 foi utilizada de 1982 a 2012, sendo que o processo de fechamento vem se desenvolvendo desde então, sem novas disposições de rejeitos.

Em 1992 o Ministério Público Estadual já havia ingressado com Ação Civil Pública Ambiental, questionando diversos aspectos da atividade de mineração, incluindo o funcionamento da Barragem 1. Nesta ação foram designados dois peritos pelo Magistrado, os quais afirmaram, em laudo, que “a barragem de rejeitos (...) não é capaz de fornecer adequada proteção ao lençol freático (água subterrânea) que alimenta a bacia hidrográfica do Rio Itapicuru”, e que (...) “a impermeabilização natural (barragem de maciço ciclonado) utilizada pela Jacobina Mineração não propicia adequada impermeabilização do solo, conforma exigências mundialmente aceitas”. A ação foi tombada sob o n. 0000045-50.1992.805.0137 e ainda não foi definitivamente julgada no primeiro grau de jurisdição.

No dia 10 de janeiro de 2019 a empresa e o Ministério Público realizaram reunião visando discutir a possibilidade de um acordo judicial, para a resoluções de questões apontadas na Ação Civil Pública supracitada e outras 04 ações já propostas pela Promotoria de Jacobina contra a JMC – Yamana Gold. As discussões devem durar 90 dias. Nas ações tombadas sob os ns. 0005159-03.2011.805.0137, 0501063-72.2017.805.0137, 0300023-73-2016.805.0137, 0960696-17.2015.805.0137 e 0000045-50.1992.805.0137, foram formulados pedidos de paralisação das atividades, para a realização de adequações ambientais, pleitos não acolhidos ou analisados pela Justiça.

Atualmente a B1 é monitorada por 15 (quinze) piezômetros, que analisam o comportamento do subsolo, bem como através de poços de monitoramento, que analisam a qualidade do líquido existente no interior da barragem.

Em razão do processo de fechamento da B1 e ante a não disposição de novos rejeitos, houve uma redução de quase 70% do material líquido lá existente. Todavia, como a barragem não é impermeabilizada, este material drena para as águas subterrâneas, sendo carreado aos recursos hídricos da região, processo que pode ser agravado durante as chuvas.

Por tal razão, visando aumentar a segurança da B1, especialmente no que concerne a contaminação das águas subterrâneas, é fundamental a melhoria do sistema de drenagem das águas superficiais da Barragem 1, drenagem de águas pluviais, estudos da influência da drenagem natural subterrânea, à montante da B1, no rejeito saturado no interior da Barragem, bem como medidas que impeçam que essa drenagem, de característica ácida, atinja os recursos hídricos vizinhos ao empreendimento.

Em novembro de 2017 a empresa instalou e iniciou a operação de barreiras hidráulicas, com a finalidade de interceptar a pluma da drenagem da B1, sendo que a eficiência da medida será avaliada pela equipe técnica do MP.

Ademais, as Barragens 1 e 2 possuem concepção de fechamento integrado, razão pela qual foi promovida a conexão dos drenos de fundo da B1 e B2, o que, segundo entende o Promotor Pablo Almeida, fragiliza a análise dos dados de maneira individualizada. A conexão dos drenos de fundo foi realizada porque a barragem 2 é alteada usando uma das paredes da B1 e, por razões de segurança, não se queria a instalação de sistema de bombeamento entre elas. Todavia, essa opção eliminou um dos sistemas de controle de vazão, que era o dreno do fundo da B1. Hoje a vazão dos drenos de fundo foi unificada, não gerando dados individualizados da B1 e da B2.

Por tal razão o MP entende a necessidade de ampliação do número de piezômetros, inclusive digitais, que realizam o monitoramento em tempo real. Atualmente, a maior parte dos piezômetros são manuais, sendo a medição realizada por técnicos da empresa. Neste particular, é prudente a manutenção de piezômetros digitais e manuais, conjuntamente, visando criar um sistema imune a falhas de equipamentos ou humanas, dentre diversas outras medidas preventivas.

A barragem de rejeitos 2, por seu turno, será utilizada, segundo a previsão da empresa, até o ano de 2036, quando atingirá a altura de 92 metros e volume armazenado de mais de 42 milhões de metros cúbicos.

Trata-se de estrutura mais moderna, com impermeabilização do solo, através de manta PEAD, o que oferece uma maior segurança e melhor adequação ambiental.

A barragem II é acompanhada diariamente por técnicos da empresa, que fazem 2 relatórios quinzenais e encaminham os dados mensalmente à Agência Nacional de Mineração, ANM, antigo DNPM. Ainda sob a perspectiva de controle interno, são realizadas análises de performance uma vez por mês, através de auditoria interna, em nível de diretoria internacional.

Ademais, é realizada também Auditoria externa por empresa contratada, sendo que tal providência é condicionante ambiental prevista na licença do INEMA. Nessas auditorias são apontados problemas e cobradas soluções.

A título de exemplo, citamos o Relatório de inspeção de segurança regular - set/2016, que afirmou o seguinte: "foram executados 27 procedimentos de controles de compactação de rejeitos, que compõem o maciço, cerca de 10% dos resultados apresentaram-se com grau de 94%, abaixo do mínimo esperado (95%). (...) No status atual, foram identificadas 5 tarefas em andamento (atrasadas ou paralisadas) e 2 não iniciadas. Dentre estas tarefas salientou-se a importância de avaliar a causa da aparência amarelada do efluente dos drenos e instalar medidores de deslocamento adicionais no maciço da Barragem BII, priorizando-se a área do dreno antigo. O relatório do consultor Steven Vick e o plano de ação correspondente não foram fornecidos". A empresa de auditoria identifica os problemas, sinaliza para a JMC – Yamana Gold, que deve adotar as correções devidas, mediante a cobrança do órgão ambiental.

A empresa JMC possui também auditor internacional independente para segurança de barragem. Assim, sob a perspectiva empresarial, o empreendimento tem 4 instâncias internas de controle.

As barragens de Jacobina são acompanhadas ainda pela Agência Nacional de Mineração, ANM, antigo DNPM, e Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia, INEMA.

Entretanto, o Ministério Público Estadual avalia que a JMC – Yamana Gold, diante do seu porte e considerando os riscos envolvidos, é fiscalizada poucas vezes por ano pelo INEMA e ANM, antigo DNPM.

Por exemplo, no Inquérito Civil Público – MPF – PRM/CF 1.14.002.000001/2010-73, se apurou que o DNPM, atual Agência Nacional de Mineração informou que o empreendimento, “ao longo dos últimos 8 anos (...) recebeu o total de 10 vistorias, (...) sendo que as situações de não conformidade foram notificadas para adoção de providências imediatas; que não há relatórios específicos de inspeção na planta;”. Prossegue o despacho do procedimento: “Novamente oficiado, o DNPM informou que a empresa (...) em relação à Notificação 02/2013DGB/FR/NAGJR a referida empresa cumpriu as exigências intempestivamente (...). relativamente à notificação 01/2014DGB/ENL a empresa não cumpriu as determinações”.

Assim, aquela que é hoje a maior empresa de mineração em atividade no estado da Bahia foi fiscalizada 10 vezes em 08 anos. Uma média de fiscalização a cada 292 dias. O DNMP informou que nem sempre fazia relatórios das inspeções na planta, o que mais se assemelha a uma visita de cortesia do que a uma inspeção, mesmo porque a Administração Pública se orienta pelo princípio da oficialidade. Não bastasse tudo isso, o próprio DNPM informa que a empresa descumpriu notificações e cumpriu outras intempestivamente.

O Inema, por seu turno, informou que não consta no órgão qualquer registro de fiscalização em galerias subterrâneas da empresa Jacobina Mineração e Comércio. Assim, em todas essas décadas de atividade o INEMA nunca fiscalizou os impactos da mineração em subsolo.

Por tal razão, o Ministério Público recomendou ao INEMA, por exemplo, que “proceda fiscalizações ambientais no interior e nos arredores da empresa JMC – Yamana Gold, para identificação de danos ambientais, bem como estabeleça cronograma de fiscalização, pelo menos mensal, do empreendimento da JMC – Yamana Gold, haja vista que, segundo a Constituição Federal, a atividade fiscalizatória ambiental compete a todos os entes federados, independentemente da competência para o licenciamento, mas prioritariamente ao licenciante, bem como se tratar de um dos empreendimentos mais impactantes da Bahia, que exige um acompanhamento mais efetivo.

O MP recomendou ao INEMA também que nestas fiscalizações devem ser colhidas amostras de solo, água e efluentes, à jusante, no interior e à montante das atividades industriais e minerárias da empresa, BEM COMO NAS GALERIAIS SUBSTERRÂNEAS, em pelo menos 30 pontos georeferenciados, com encaminhamento destas amostras para análises técnicas públicas, com produção de relatórios e encaminhamento a ANM, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e ao Ministério Público Estadual, com os parâmetros Resolução CONAMA 357/05 e da Portaria MS n. 518/2004;

O MP recomendou ao INEMA, ainda, que socialize, pelo menos, uma vez por ano, nas reuniões do Conselho de Meio Ambiente de Jacobina, ou dos Comitês da Bacia, ou em audiência pública, todos os laudos técnicos de monitoração de qualidade ambiental produzidos pela empresa e entregue ao INEMA, bem como os produzidos pelo INEMA, com a devida publicidade do evento, que deve ser aberto ao público.

O Ministério Público, em relação à barragem II, questiona ainda a Portaria 3315/2012, do INEMA, que autorizou a ampliação vazão de descarte de efluentes para 3840 m3/dia. Explica-se:

Os rejeitos lançados na barragem II possuem uma parte sólida e outra líquida, ambas resultantes do processo de moagem do minério e de sua exposição a agente químicos, dentre eles o Cianeto. Esse rejeito é depositado na barragem II, que é impermeabilizada por manta PEAD, visando evitar a infiltração de contaminantes no solo e subsolo. Todavia, a barragem recebe contribuições de água da chuva, a qual entra em contato com o rejeito contaminado e torna-se, por via de consequência, material contaminado. Entretanto, a elevação do nível de água em uma barragem de rejeitos pode implicar em risco a sua estrutura. Por conta disso a quantidade de líquido tem que ser monitorada.

A empresa, pensando na segurança e estabilidade da barragem, solicitou ao INEMA que esse líquido contaminado possa ser despejado no meio ambiente, após tratamento, o que foi autorizado pelo órgão ambiental estadual, na proporção de 3840 m3/dia.

Ora, com essa vazão em 4 anos a empresa estava autorizada a despejar no meio ambiente 5.606.400 m3 de efluentes industriais (mais de 05 milhões de metros cúbicos).

A empresa, todavia, em razão do regime de chuvas, não utilizou toda a outorga deferida. Somente descartou efluentes de Julho a Dezembro de 2014, de janeiro a abril e de julho a novembro de 2015 e de janeiro a maio de 2016, num total de pouco mais de 401 mil metros cúbicos de rejeitos.

As críticas neste particular são de duas ordens: o INEMA, a quem compete limitar o impacto da atividade, autorizou vazão exagerada, já que a empresa somente necessitou de menos de 8% do total autorizado. Ademais, se as exigências atuais são de que a barragem seja impermeabilizada, visando evitar a contaminação do solo e lençol freático pelo rejeito, não faz sentido autorizar o descarte na natureza após tratamento simplificado. Ora, se o tratamento fosse efetivamente eficiente não seria necessária barragem de rejeito e os riscos dela decorrentes.

O Ministério Público, por seu turno, avalia que a barragem de rejeitos impermeabilizada é fundamental para impedir a contaminação do solo e das águas superficiais e subterrâneas, bem como que o descarte de rejeitos, mesmo após tratamento, é medida contrária à proteção do meio ambiente. Assim, é preciso encontrar soluções técnicas para todos os regimes hídricos.

O IBAMA também foi oficiado, para que intensificasse as fiscalizações, o qual, todavia, quedou-se inerte. Em relação a Jacobina o IBAMA se manteve inerte, apesar de após a tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais, divulgou ter aplicado multa de 250 milhões em razão do rompimento da barragem. Assim, atua na tragédia de Brumadinho mas não exerce atividade preventiva em Jacobina, o que é fato digno de nota.

Apesar de todos esses controles, por se tratar de atividade com riscos inerentes, é preciso ter plano de emergência e promover simulado com funcionários e população, visando a mitigação de danos, na hipótese de acidentes.

Estava previsto para os dias 12 a 14 de dezembro de 2018 Treinamento e Simulado de Emergência da Barragem de Rejeitos da Jacobina Mineração e Comércio, que seria o primeiro a ser realizado no Estado da Bahia. Todavia, fortes chuvas atingiram Jacobina no período, sendo que a Defesa Civil foi mobilizada para atendimentos em diversos bairros, adiando-se o simulado, por cautela.

O Poder Público e a empresa, antes mesmo do rompimento da Barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, já avaliavam a nova data do simulado, ainda no primeiro trimestre de 2019.

No dia 22 de janeiro de 2019 o MP e a empresa discutiram a necessidade de instalação das sirenes de emergência, já adquiridas ao custo de 1 milhão de dólares, em continuidade ao trabalho de sinalização das áreas de risco e pontos de encontro.

As áreas de maior risco se localizam até 07 (sete) quilômetros das barragens de rejeitos, com maior ênfase nos 04 quilômetros iniciais. A empresa já efetuou o cadastramento de todas as famílias localizadas nessa região, num total de mais de 200 unidades familiares, as quais receberam orientações e foram convocadas a participar dos simulados e treinamentos.

O Ministério Público avalia ser necessária a retomada das negociações para a realocação das famílias em zonas de maior risco, processo que foi interrompido em 2013, bem como que a empresa JMC – Yamana Golda atribua maior transparência ao Plano de Emergência, rotas de fugas, divulgue amplamente os dados de monitoramento das barragens, para população em geral, explicando onde estão as áreas de maior risco, rotas de fugas, dentre outras medidas.

No dia 19 de setembro de 2018 o Ministério Público promoveu também audiência pública, a qual contou com a participação de mais de 1.000 pessoas, ocasião em que se debateu os impactos ambientais da atividade de extração de ouro no município, especialmente as consequências das atividades mineradoras da Jacobina Mineração e Comércio Ltda. (JMC), controlada pela Yamana Gold, para a qualidade das águas, solo, subsolo e ar, bem como as consequências para as comunidades tradicionais locais. A audiência foi realizada pela manhã e tarde no auditório do Colégio Gilberto Dias de Miranda (Comuja), em Jacobina.

A audiência pública objetivou debater com a população local, sociedade civil organizada, empresas e órgãos públicos os impactos ambientais da atividade de extração de ouro e colher elementos para atuação do Ministério Público, alertando a comunidade sobre os riscos envolvidos. Também foi discutida a possibilidade de prejuízo para os mananciais que fornecem água para consumo humano da cidade de Jacobina, bem como as medidas mitigatórias e compensatórias necessárias, e também a situação das barragens.

Ressalte-se, por fim, que após a audiência pública a empresa JMC – Yamana Gold tem adotado postura mais colaborativa, resolutiva e transparente, sendo que foram reabertas as tratativas, as quais prosseguem, com chances reais de êxitos, nos próximos 90 dias.

Maiores informações podem ser obtidas no link a seguir:

O primeiro deles é a apresentação feita pelo MP na audiência pública, sendo que as páginas iniciais são as regras do evento e em seguida as questões pontuadas pelo MP como problemas encontrados:

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O segundo deles é um despacho do MP, de 250 páginas, no qual o MP analisa e interpreta os dados já coletados pela Promotoria de Jacobina:


Att
Pablo Almeida
Promotor de Justiça

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