A saída conjunta nesta terça-feira, 30, dos comandantes das Forças Armadas gerou críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e apreensão entre os membros que formam o Congresso Nacional. Pela primeira vez na história, os três comandantes pediram renúncia conjunta por discordar do presidente.

A decisão aconteceu um dia após o presidente demitir o ministro da Defesa, o general do Exército Brasileiro, Fernando Azevedo e Silva, e colocar em seu lugar o general Walter Souza Braga Netto, colega de farda que atuava como ministro da Casa Civil.

Diante do anúncio abrupto de que Azevedo deixaria a Defesa, os três comandantes decidiram entregar os cargos. Mas, em vez de um pedido de demissão entendido como uma resistência a Bolsonaro, interlocutores da Defesa alegaram que os cargos foram pedidos pelo novo ministro.

Dessa forma, após a reunião, o Ministério da Defesa anunciou as trocas dos comandantes do Exército, Edson Pujol, da Marinha, Ilques Barbosa Junior, e da Aeronáutica, Antonio Carlos Moretti Bermudez.

A mudança teve como pano de fundo o descontentamento de Bolsonaro com o ministro da Defesa e com o comandante do Exército Brasileiro, o general Edson Leal Pujol.

Bolsonaro pleiteava um endosso do alto comando do Exército aos seus posicionamentos e considerou a negativa das Forças Armadas e do ministério da Defesa em relação ao seu pleito para instalação do estado de sítio no país - o que daria forças para restringir ações de governadores e prefeitos na implantação de medidas de restrição de circulação para evitar a propagação do novo coronavírus, a exemplo do lockdown - como a gota d´água.

"Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", disse Azevedo e Silva em sua carta de despedida do ministério, deixando claro seu posicionamento de inflexão em relação à submissão do Exército, Marinha e da Aeronáutica aos interesses políticos do presidente da República.

Repercussão

O líder do PSD no Senado, Otto Alencar, lembrou que já foram trocados 24 ministros em dois anos. Para ele, o país sob o governo Bolsonaro vive “instabilidade e insegurança”. Alencar disse que se reuniu com membros da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, e que recebeu a informação de dois economistas que o Brasil atingiu o pior patamar no nível de insegurança econômica de sua história.

“Bolsonaro queria um Exército só dele, para intimidar os seus adversário, intimidar Congresso e os militares não aceitaram receber o comando de um presidente que tem demonstrado incapacidade de governar o país. São dois anos tentando dar o golpe de estado. Ele sonha em ser ditador do Brasil, instalar aqui um regime ditatorial e ficou claro para ele que não terá respaldo dos organismos estado”, disse Alencar.

Para o senador Angelo Coronel (PSD), os comandantes mostraram altivez e demonstraram que as forças armadas “são do Estado e não da presidência”.

O senador do PT, Jaques Wagner, foi outro que exaltou a demonstração de “ compromisso com o Estado brasileiro e não com o governo” dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. “A responsabilidade é com a garantia da paz e da soberania nacional. Independente de nomes de quem venha a ocupar os comandos, a cultura das Forças Armadas é essa e eu não creio que teremos uma grande mudança”.

‘Procedimento normal’

Já o vice-líder do governo na Câmara, o deputado federal Cláudio Cajado (PP), considera a troca do alto comando das Forças Armadas como um procedimento normal diante da mudança de um ministro da defesa.

“Ficou claro um desconforto do ministro no Exército [Pujol] e consequentemente ele tinha duas opções - colocar o cargo à disposição ou pedir para sair. Parece que pediu e, em solidariedade, os demais comandante das Forças Armadas saíram. Sai um general e entra outro, penso que do ponto de vista da instituição, a mudança ocorre, mas o que importa é que o ministério continua tendo no comando um general de quatro estrelas”, disse Cajado.

O parlamentar do PP rechaçou as críticas de que o presidente da República busca colocar no ministério da Defesa um preposto que possa colocar em prática ações que vão de encontro à ordem democrática no país. “Eu não vejo espaço para quebra do regime democrático. Acho que colocar no colo do general Fernando, que era ministro, a estabilidade institucional, e de Braga Neto, o que assume, a quebra da instabilidade do regime, é algo muito grave; eu não colocaria em hipótese nenhuma a suspeição de Braga Neto como um eventual conspirador contra instituições”.

Para o ex-vice líder do governo, Paulo Azi (DEM), as mudanças no comando da Marinha, Aeronáutica e do Exército geram “apreensão” no parlamento, por “não estar claro o que está ocorrendo”. Ele pontua que “sempre quando se instala uma crise nas Forças Armadas”, é motivo de apreensão no país.

O democrata avalia que não há espaço para um golpe militar no país, e ressalta que Bolsonaro “não tem apoio popular, político e nem das forças armadas" para uma “ação extremada desse nível”. Azi avalia que especulações e narrativas sobre os motivos para demissão do alto comando das Forças Armadas e do ministro da Defesa são fruto da “ausência de uma satisfação oficial do governo” para explicar “as razões das mudanças”.

Projeto de lei

Em paralelo à demissão dos chefes das Forças Armadas, o ex-líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, o Major Victor Hugo (PSL-GO), em parceria com o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), líder do maior bloco da Casa, tentavam aprovar um regime de urgência para um PL construído por Hugo, que inclui à emergência em saúde pública entre as situações que abrem a possibilidade de decretação de Mobilização Nacional, que aumenta os poderes do presidente da República.

A proposta foi encarada por parlamentares baianos com uma carta branca para que o presidente da República possa dar um golpe de estado e promover ações arbitrárias contra estados e municípios.

O deputado federal Daniel Almeida (PCdoB) acredita que o PL que dá super-poderes para Bolsonaro não tem “qualquer possibilidade de ser aprovado”. Ele avalia que o presidente da República está isolado politicamente, como resultado de manifestações contra a democracia realizadas por ele.

“O Bolsonaro já deu várias demonstrações de que tem desprezo pela democracia e pelas instituições, por isso está sempre levantando suspeita sobre a possibilidade de uma ruptura; Mas cada movimento que faz vai aumentando o isolamento dele. Me parece que é o caso agora desse movimento com Exército, que ele faz questão de chamar de “meu exército”, e ficou claro para ele que se trata de uma instituição do estado brasileiro e não de qualquer indivíduo”, destacou Almeida.

O deputado federal Zé Neto (PT) avalia que o PL do ex-líder de Bolsonaro na Câmara dos Deputados já nasce natimorto. “Na minha opinião só serve para mostrar quem Bolsonaro é e o que pensa para o país. É um alerta para sociedade, mostrando que ele e seus apoiadores crêem que uma ruptura democrática é o caminho para o país. Eles usam desinformação e mentiras para enganar as pessoas, mostrando isso como solução para resolver os problemas do país, que ele não consegue resolver e nem trabalha para isso”, criticou o petista.

O parlamentar baiano acredita que o PL do deputado bolsonarista do PSL de Goiás, junto com as ações de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal para derrubar medidas de restrição de circulação impostas por prefeitos e governadores, mostram uma forma encontrada pelo presidente da República para capitalizar politicamente e mobilizar seus apoiadores, ensejando “trazer de volta o radicalismo”, para desviar o foco dos problemas, culpando os governadores e tirando de suas costas o peso de suas obrigações como gestor.

Paulo Azi é outro a apontar que o PL de Vitor Hugo “não tem nenhuma condição de prosperar na Casa”, pois “não tem ambiente e nem apoio partidário”. “Um projeto desse tipo não tem chance de aprovação”.

Crise

O cientista político e professor da Unilab, Cláudio André, avalia que a insatisfação em relação à falta de apoio por parte das Forças Armadas ao decreto de estado de sítio provocou a queda dos comandantes e do ministro da Defesa.

“Eu vejo que Bolsonaro tentou esticar a corda, criar um tensionamento institucional para aumentar o nível de apoio das Forças Armadas ao seu governo; eu me refiro a um apoio político não explícito às posições do governo. E tudo indica que a tese do estado de sítio foi ativada por parte do núcleo mais duro do Palácio do Planalto. Então me parece que essa tese responde a possíveis pesquisas internas do governo, de perda de popularidade. Com a recusa das Forças Armadas a gente tem uma situação de uma tensão institucional não vista desde 1977, quando o general Frota [Sylvio Couto Coelho da Frota] se envolveu naquela crise lá no governo Ernesto Geisel”, explica André, que emenda afirmando que “esse tensionamento, neste momento, coloca Bolsonaro em uma situação muito difícil perante o Mercado, porque o Mercado quer que o governo funcione para que o país volte a passar por um novo ciclo de recuperação econômica”.

Cláudio atribui o descontrole da pandemia da Covid-19 no país e a boa avaliação dos governadores e prefeitos como os fatores que fizeram com que o chefe do executivo federal busque deflagrar o estado de sítio como uma resposta na busca pelo protagonismo perdido. Ele lembra que o histórico de Jair Bolsonaro mostra um desprezo pelos pilares da democracia.

“A gente sabe que Bolsonaro tem um histórico de uma compreensão de que a democracia deve limitar-se ao máximo no compartilhamento de poder, logo, uma visão autoritária que durante sua campanha em 2018 e ao longo da sua carreira política, ele sempre apresentou”, destacou André.

Fonte: A Tarde

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