Veja a decisão na íntegra:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA
RECURSO ELEITORAL (11548) - Processo nº 0600267-11.2020.6.05.0086 - Mairi - BAHIA
[Inelegibilidade - Rejeição de Contas Públicas, Impugnação ao Registro de Candidatura, Registro de Candidatura - RRC - Candidato, Cargo - Prefeito, Eleições - Eleição Majoritária]
RELATOR: HENRIQUE GONCALVES TRINDADE
RECORRENTE: RAIMUNDO DE ALMEIDA CARVALHO INTERESSADO: COLIGAÇÃO A VONTADE DE DEUS COM A FORÇA DO POVO
Advogados do(a) RECORRENTE: MATEUS DANTAS DE MELO - BA0049956A, JOAO VITOR LIMA ROCHA - BA0063711, FABRICIO BASTOS DE OLIVEIRA - BA0019062
Advogado do(a) INTERESSADO:
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
Advogado do(a) RECORRIDO:
DECISÃO
Trata-se de recurso interposto por Raimundo de Almeida Carvalho contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 86ª Zona, que, julgando pela procedência da impugnação deduzida pelo Parquet Eleitoral, indeferiu seu pedido de registro de candidatura para concorrer ao cargo de Prefeito, por reconhecer a incidência da causa de inelegibilidade constante artigo 1°, inciso I, alínea “g” da Lei Complementar n. 64/90.
Em sua peça, aduz o recorrente, em caráter preliminar, a nulidade da sentença prolatada, por força da inobservância da fase de alegações finais.
Quanto ao mérito, suscita:
a) a ilegalidade do julgamento das contas, dada a violação ao devido processo legal (contraditório e ampla defesa), enquanto direito fundamental;
b) a ilegalidade do julgamento de suas contas pela Câmara de Vereadores, via Decreto Legislativo, dada a ausência da intimação do recorrente para a respectiva sessão;
c) a inexistência de dolo por parte do recorrente que importasse em lesão ao patrimônio público ou, mesmo, enriquecimento ilícito, dada a ausência de indicação de qualquer vício insanável ou ato doloso de improbidade administrativa no Decreto Legislativo n. 094/2019, que rejeitou as contas, atinentes à sua gestão, no exercício de 2015.
Ao final, vindica o provimento do recurso, quer para, anulando-se a sentença rebatida, determinar a reabertura de prazo para as alegações finais, quer para, reformando-se a decisão do juízo a quo, julgar pela improcedência da impugnação deduzida, deferindo-se o registro de candidatura, com esteio na ausência dos pressupostos cumulativos para a declaração da inelegibilidade.
Contrarrazões do Parquet Eleitoral, em que refutadas as assertivas tecidas na irresignação, bem como pleiteado o seu desprovimento para que mantida a sentença de origem.
A Procuradoria Eleitoral, em seu parecer ID n.º 16221632, manifestou-se pelo desprovimento do recurso. Reservou-se, contudo, o direito de fazer aditamento oral perante esta Corte, “como facultam os artigos 36, IV, e 82, §1º, do Regimento Interno do TRE/BA”.
É o relatório. Passo a decidir.
Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso interposto, passo a conhecê-lo.
PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA
De logo, resta afastada a preliminar de nulidade da sentença, eis que entendera o juízo a quo pela natureza de direito da matéria a ser aferida por ocasião do julgamento, já dispondo o feito de provas bastantes para a formação de seu convencimento.
Donde a rejeição da alegação de nulidade.
MÉRITO
No que pertine ao meritum causae, cumpre, de logo, asseverar, que a matéria concernente à nulidade da análise das contas do recorrente pelo TCM ou, mesmo, de seu posterior julgamento pela Câmara de Vereadores de Mairi, exprime matéria estranha a este feito, pelo que a sua aferição há de ser feita em ação judicial própria, perante o juízo constitucionalmente competente para tal.
Quanto à incidência da causa de inelegibilidade sobre a esfera jurídica do recorrente, a ensejar o indeferimento de seu registro de candidatura, impende ressaltar a necessária cumulação dos pressupostos legalmente exigíveis para tanto; em específico:
(...) O art.1º, I, g, do Estatuto das Inelegibilidades reclama, para a sua caracterização, o preenchimento, cumulativo, dos seguintes pressupostos fático-jurídicos: (i) o exercício de cargos ou funções públicas; (ii) a rejeição das contas pelo órgão competente; (iii) a insanabilidade da irregularidade apurada, (iv) o ato doloso de improbidade administrativa; (v) a irrecorribilidade do pronunciamento que desaprovara as contas; e (vi) a inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto que rejeitara as contas”. (Recurso Especial Eleitoral nº 49648, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: PSESS -Publicado em Sessão, Data 13/12/2016)
De igual sorte, resta oportuna a observação de que incumbe, exclusivamente, ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo Municipal, pelo que o parecer técnico da lavra do Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, conforme bem pontuado pelo Juízo a quo, em sua sentença.
Neste sentido a jurisprudência, verbis:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA SUJEITA AO CRIVO PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS DE GOVERNO E DE GESTÃO. LEI COMPLEMENTAR 64/1990, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR 135/2010. INELEGIBILIDADE. DECISÃO IRRECORRÍVEL. ATRIBUIÇÃO DO LEGISLATIVO LOCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO
(...)
II - O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República (“checks and balances”). III - A Constituição Federal revela que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o art. 1°, I, g, da LC 64/1990, dada pela LC 135/ 2010, é a Câmara Municipal, e não o Tribunal de Contas. IV - Tese adotada pelo Plenário da Corte: “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”. V - Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 848826, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017)
Repercussão Geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Competência da Câmara Municipal para julgamento das contas anuais de prefeito. 2. Parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas. Natureza jurídica opinativa. 3. Cabe exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo municipal. 4. Julgamento ficto das contas por decurso de prazo. Impossibilidade. 5. Aprovação das contas pela Câmara Municipal. Afastamento apenas da inelegibilidade do prefeito. Possibilidade de responsabilização na via civil, criminal ou administrativa. 6. Recurso extraordinário não provido. (RE 729744, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017)
Ora, devidamente firmada a exclusiva competência do Poder Legislativo para o julgamento das contas do gestor municipal, cumpre-nos, na oportunidade, a aferição do Decreto Legislativo n. 094/2019, da lavra da Câmara de Vereadores de Mairi, o qual rejeitou as contas do recorrente, atinentes ao exercício de 2015. De seu bojo, exsurge, não apenas a estreita votação pela rejeição da contabilidade, como também a inexistência de qualquer menção à configuração de ato doloso de improbidade administrativa a ser imputada à pessoa do recorrente. Sequer a alusão a vício insanável exsurge do conteúdo do referido Decreto, pelo que ausente, na espécie, a cumulação dos pressupostos legalmente exigíveis para a declaração da inelegibilidade do recorrente.
Neste sentido a jurisprudência, verbis:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. 1. O Ministério Público ajuizou ação civil pública em face de ex-prefeito, com vistas a condená-lo por ato de improbidade administrativa, consubstanciado no recebimento de verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério -Fundef sem, contudo, abrir contas específicas para apanhar e movimentar tais valores, contrariando, assim, o art. 3º Lei nº 9.424/96. 2. As infrações tratadas nos arts. 9º e 10, da Lei nº 8.429/92, além de dependerem da comprovação de dolo ou culpa por parte do agente supostamente ímprobo, podem exigir, conforme as circunstâncias do caso, a prova de lesão ou prejuízo ao erário. Com relação ao artigo 11 da Lei de Improbidade, a Segunda Turma desta Corte perfilhava o entendimento de que não seria necessário perquirir se o gestor público se comportou com dolo ou culpa, ou se houve prejuízo material ao erário, tampouco a ocorrência de enriquecimento ilícito. 3. Quanto ao elemento subjetivo, no julgamento do Recurso Especial 765.212/AC, DJe de 19.05.10, relator o eminente Ministro Herman Benjamin, a orientação desta Turma foi alterada para considerar necessário estar presente na conduta do agente público ao menos o dolo lato sensu ou genérico, sob pena de caracterizar-se verdadeira responsabilidade objetiva dos administradores. 4. In casu, o Tribunal a quo consignou que o agente não agiu com dolo, mas simples culpa, ao consignar ser "irrelevante a ocorrência de dolo, porque a culpa também serve para validar a prática de ato ímprobo, que contrarie os princípios da Administração Pública" (e-STJ fl. 113). Assim, não há que se falar em tipicidade da conduta do recorrente, já que não foi comprovado ao menos o dolo genérico. 5. Recurso especial provido. (REsp 1155803/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 28/05/2012)A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para afastar a condenação dos recorrentes nas sanções do art. 11, I, da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) sob o entendimento de que não ficou evidenciada nos autos a conduta dolosa dos acusados. Segundo iterativa jurisprudência desta Corte, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do agente como incurso nas previsões da LIA é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (violação dos princípios da Administração Pública) e, ao menos, pela culpa nas hipóteses do art. 10º (prejuízo ao erário). No voto divergente, sustentou o Min. Relator Teori Zavascki que o reexame das razões fáticas apresentadas no édito condenatório pelo tribunal a quo esbarraria no óbice da Súm. n. 7 desta Corte, da mesma forma, a revisão da pena fixada com observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. REsp 1.192.056-DF, Rel. originário Min. Teori Albino Zavascki, Rel. para o acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 17/4/2012)
Por todo o exposto, e à míngua dos pressupostos legalmente exigíveis para a caracterização da inelegibilidade, dou provimento ao recurso para, reformando-se a sentença de origem, julgar pela improcedência da impugnação e deferir o pedido de registro de candidatura do recorrente.
Publique-se.
Salvador, 1 de novembro de 2020.
HENRIQUE GONCALVES TRINDADE
Relator