O setor florestal madeireiro é um dos mais desenvolvidos e competitivos do mundo. Segundo a Embrapa Floresta, o Brasil tem uma área de aproximadamente 851 milhões de hectares e conta com aproximadamente 523,7 milhões de hectares de florestas, Desse total 6,7 milhões de hectares são áreas plantadas do agronegócio florestal. Um terço dessa área, cerca de 2,1 milhões de hectares são de monocultura do eucalipto. E as áreas de monocultura levam o pais a um triste recorde, o de maior consumidor mundial de agrotóxicos. Em 2013 atingiu a marca de 1 bilhão de litros.
Para discutir os impactos socioeconômicos da monocultura pelo agronegócio e o uso de agrotóxicos, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados (CSSF) fez, nesta sexta-feira (23), em Salvador (BA) um seminário reunindo representantes de segmentos envolvidos com o setor. O debate foi realizado em parceria com os Programas de Pós-Graduação em Geografia e Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal da Bahia. A CSSF é presidida pelo deputado federal Amauri Teixeira (PT-BA).
Bahia
No Sudoeste da Bahia as plantações de eucalipto já somam cerca de 85 mil hectares, entre plantadores independentes e grandes empresas. Em 2012, porém, o Governo do Estado liberou uma licença prévia para uma das empresas, a Veracel Celulose, ampliar sua área de atuação em seis municípios da região numa área total de 107 mil hectares, além de outros oito municípios do extremo sul baiano.
De acordo com o deputado Amauri Teixeira, a Bahia tem diversos polos regionais de monocultura que usam agrotóxicos. E o uso intensivo esta contaminando a água e o solo, além de aumentar a incidência de doenças cancerígenas e neurológicas. Ainda segundo o deputado, em alguns municípios do sul baiano a monocultura do eucalipto chega a 85 % da área total, sem contrapartida na qualidade de emprego e de vida. Como consequência houve a extinção de outras culturas como a fruticultura, que era forte na região.
"Não somos contra a produção de celulose , mas queremos uma produção com sustentabilidade, com uso de agrotóxicos limitado e monitorado pelos órgãos responsáveis. Tenho um projeto de lei que disciplina o uso de agrotóxicos , inclusive com rastreio das embalagens através de chip" destaca Amauri. Leia mais...
Aldemir de Azevedo, do Centro de Estudos e Pesquisas para o desenvolvimento do extremo sul da Bahia (Cepedes), ressalta que políticas governamentais de estímulo ao agronegócio brasileiro têm causado enormes impactos sobre a região, como o aumento da concentração de terras e sua valorização frente ao pequeno produtor. Essas políticas tem viabilizado o processo de ampliação da Veracel Celulose, atualmente produtora de 1,2 milhão de toneladas por ano e que pretende alcançar, de acordo com a proposta apresentada, a marca dos 2,5 milhões. "O Ministério Público Estadual já fez um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para resolver vários problemas na região de Eunápolis, como problemas judiciais nas relações de trabalho, e este Termo está em negociação, mas deve ser um caminho para resolver impasses sociais e ambientais causados pela empresa", ressalta Aldemir.
Doenças e óbitos
Para Daniel Rebouças, diretor do Centro Antiveneno da Bahia (Ciave), o uso de agrotóxicos é um problema de saúde pública. Ele aponta o uso em grande escala, a multiplicidade de produtos com efeitos desconhecidos, o potencial de contaminação local e à distância, a pouca informação para população e trabalhadores sobre efeitos e medidas de prevenção como causas desse problema.
" Quem mora nas grandes cidades não está livre de contaminação por agrotóxicos. Desconhecemos o impacto a longo prazo. E há o subregistro de ocorrências sobre morbimortalidade, ou seja, não há confiabilidade dos dados disponíveis", alerta Daniel. O médico lembra também que os serviços de saúde e vigilância são frágeis.
A Bahia está entre os oito estados brasileiros que mais usam agrotóxicos. A região oeste com as lavouras de soja, milho e algodão. Na Chapada Diamantina, no cultivo da hortifruticultura, e no sul com a monocultura de eucalipto. Também é o estado com a maior população rural, cerca de 70%. Juazeiro, Barreiras e Feira de Santana lideram os casos de intoxicação por agrotóxicos na Bahia.
A Fundacentro, instituição baiana especializada em pesquisas na área da saúde e segurança do trabalho, fez um estudo que mostrahttps://mail.google.com/mail/u/0/images/cleardot.gif que, de 947 casos de intoxicação por agrotóxicos registrados em um período de cinco anos, 8,6 % resultaram em morte. Armando Xavier Filho, tecnologista da Fundacentro, lembra que já em 1965 o Sistema Nacional de Crédito Rural determinava que até 15% dos empréstimos concedidos deveriam ser destinados para a compra de agrotóxicos. Mais decisões contribuíram para a expansão do consumo. Em 1997 um decreto concedeu isenção de tributos entre 60 a 100 por cento na compra de agrotóxicos. O decreto foi prorrogado até 2012.
"Temos uma legião de mutilados, hipertensos e com seqüelas neurológicas entre os trabalhadores do setor madeireiro. E hoje estamos na quinta geração de inseticidas. E a situação fica ainda mais complicada por causa dos produtos contrabandeados da China e Paraguai ou até de fabriquetas de quintal", denuncia Armando. Ele acrescenta que em 2012 houveram mais de 52 mil novas ocorrências de câncer no Brasil. E dá o exemplo das plantações de uva e manga, onde em 81% da área cultivada é usado veneno. "Em Caxias do Sul, na serra gaúcha, já foram registrados dezenas de casos de anencefalia ou outras deformações em recém nascidos, cujas mães trabalhavam nas plantações de uva", ressalta o tecnologista. Armando propõe, entre outras medidas, o fim das isenções fiscais, a proibição da pulverização aérea, a reavaliação dos produtos autorizados e mais rigor na fiscalização e monitoramento do uso.
As duas maiores produtoras de celulose do mundo estão no sul da Bahia, Fibria e Veracel. A informação é de Silvanio Oliveira, presidente do Sindicato dos trabalhadores na silvicultura, no plantio, nos tratos culturais, extração e beneficiamento da madeira em atividades florestais e indústrias moveleiras no extremo sul da Bahia (Sintrexbem). Ele denuncia a série de doenças provocadas pelas condições de trabalho.
“Cada trabalhador do viveiro lida com quatro mil mudas por dia e faz cinco movimentos com as mãos. Ou seja, 20 mil movimentos por dia. Danos para ombros, braços e punhos. Para aplicar herbicida carregam bombas com o produto nas costas embaixo do sol. Problemas de intoxicação e coluna. E o INSS não reconhece as doenças provocadas por agrotóxicos”, afirma. Ele também lembra que quem comanda máquinas repete milhares de vezes os mesmos movimentos para derrubar cerca de 100 árvores por hora em oito horas diárias de trabalho. Ou seja, 800 árvores dia. “E as empresas não reconhecem doenças forma causadas pro essas atividades, e o trabalhador é demitido", conclui Silvanio.
Para o médico e consultor da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (Abaf), Hudson Couto, as máquinas usadas nas lavouras de eucalipto cumprem exigências técnicas. Ele também diz, por causa de uma série de medidas tomadas pelas empresas para diminuir fatores que provocam doenças nos trabalhadores, não há necessidade de redução da carga horária de 8 para 6 horas diárias.
R$ 1 trilhão
Carlos Chaves, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), afirma que hoje a cadeia da produção no campo é dominada por grandes grupos, do campo ao transporte e abastecimento. " A participação do agronegócio no PIB do país é de 23%, ou R$ 1 trilhão em 2013. Mas, por outro lado, Ceará e Sergipe têm mais de 90 por cento dos trabalhadores rurais informais. Além da presença de trabalho escravo e infantil em muitas regiões. Ente 1995 e 2014, 46.588 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão", afirma o sindicalista. Ele acrescenta que as monoculturas são atividades altamente mecanizadas e reduzem os postos de trabalho, causando desemprego e gerando dependência da população de um município á uma só atividade econômica. "Depois vem a demissão em massa quando há crise, como o que aconteceu no setor sucroalcooleiro em Pernambuco", lembra Chaves.
Deserto verde
Entre 2012 e 203 o Instituto Federal do Paraná fez uma pesquisa no chamado "deserto verde", área ocupada pela monocultura do eucalipto na região central do estado. Roberto Martins, professor do IFP, coordenou a pesquisa. O estudo revelou um grande contraste entre o discurso oficial das grandes empresas, de desenvolvimento regional e responsabilidade social e a realidade. "Constatamos degradação dos recursos naturais, confinamento humano, êxodo rural, privatização dos recursos naturais, contaminação e escassez d a água. Além da degradação do modo cultural de vida da população local", explica Roberto. A pesquisa foi feita em 1minicpio com reflexo em todas região, que tem cerca de 900 mil hectares de monocultura do eucalipto.
O presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, deputado Amauri Teixeira (PT-BA), afirma que outros encontros, como audiências públicas e seminários, sobre o tema, devem ser realizados este ano.
Pedro Calvi / Assessoria CSSF