Ela lamentou a soltura dos condenados pelo crime: 'Vai voltar tudo de novo'.

Era pra ser um dia de comemoração. Afinal, após cinco anos, seria a primeira vez que Maria (nome fictício) poderia celebrar o Dia da Mulher "com uma conquista", mas a celebração não aconteceu. É que desde terça-feira (6), quando uma das vítimas de estupro de oito ex-integrantes da banda New Hit soube que os seus agressores iam ser soltos, ela perdeu o sossego.

“Era uma coisa que eu não esperava acontecer, principalmente na Semana da Mulher. Infelizmente, a Justiça jogou um balde de água fria na gente e na sociedade. Foi um tapa na nossa cara”, afirmou a jovem, uma das duas vítimas do estupro coletivo cometido em 2012.

Foi através de uma mensagem de WhatsApp de uma das advogadas do caso que ela recebeu a má notícia de que os oito condenados haviam conseguido habeas corpus no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Quando leu a mensagem, a jovem custou a acreditar. Fechou o bate-papo, respirou e, em seguida, pensou:

“Meu Deus, vai voltar tudo de novo! A gente esperou cinco anos pra Justiça responder com cinco meses”.

Mesmo estando há apenas um dia nas ruas, a liberdade dos músicos já começou a afetar a rotina da estudante. Esse ano, por exemplo, foi a primeira vez que ela tinha conseguido voltar à escola, desde o crime.

“Passei seis anos sem estudar porque ficavam de piadinha, e só retornei esse ano. Mas eu não sei como vai ser agora pra ir até a escola, pois estudo de noite. Eu já estou tendo dificuldade de ir pra aula, porque não consigo ficar em um espaço fechado com muitos homens... Imagine agora”, comenta.

Ela diz que, apesar das dificuldades, vai terminar a escola - aos 22 anos, cursa a 8ª série do ensino fundamental. Seu plano é entrar para a faculdade de Direito e se tornar uma advogada para ajudar mulheres que passam por situações de violência. Na época do crime, Maria tinha 16 anos.

Uma verdade só

A jovem diz que não costuma acompanhar notícias sobre a versão dos ex-integrantes, mas comentou que chegou a ouvir que um dos acusados tinha dito que "respeita as mulheres" ao deixar a prisão. Sobre a declaração, a jovem afirmou: "Isso soa ridículo pra mim".

Ela disse ainda que não existem duas versões para o caso. "A verdade é uma só e ela já começou a aparecer quando prestamos o primeiro depoimento".

Um leão por dia 

Superar os traumas do estupro tem sido uma tarefa diária, por vezes bastante árdua.

“Todo dia é um medo diferente. A gente [ela e a outra vítima] mata um leão por dia. Quando tem processo, eu fico mal. Antes eu precisava tomar remédio pra me controlar, porque era péssimo. Eu acho que Deus me dá força agora”, conta Maria.

Bastante emocionada, ela disse que até hoje é vítima de agressões por parte de vizinhos, por exemplo.

"Tem seis meses que passaram na minha porta de madrugada tocando a música deles [New Hit]. E eu me pergunto: pra quê isso? As pessoas não sabem o que uma vítima de estupro passa", lamenta.

Liberdade e agradecimento

Horas depois de deixar o Complexo Penitenciário da Mata Escura, um dos acusados, Allan Aragão Trigueiros, conhecido como Allanzinho, publicou uma foto no Instagram agradecendo aos fãs. Na mensagem diz: "Gostaria de agradecer a todos que oraram e torceram por mim, a todas as mensagens positivas direcionadas a mim, aos meus irmãos e a minha família... O mal pode até tentar destruir as pessoas do bem, mas Deus sempre salvará os teus filhos que confiam em ti e no seu poder!"

Relembre o caso

Segundo a Justiça, oito ex-integrantes do grupo de pagode New Hit, que já foi desfeito, violentaram duas adolescentes de 16 anos após um show em agosto de 2012. Os músicos foram condenados, em primeira instância, em 2015, por decisão da juíza Márcia Simões Costa, titular da Vara Crime de Ruy Barbosa, mas os réus recorreram da decisão.

Em agosto do ano passado, a sentença condenatória foi confirmada, mas os músicos tiveram a pena reduzida de 11 anos e oito meses de prisão para 10 anos e oito meses também pela Segunda Turma da Primeira Câmara Criminal do TJ-BA.

Apesar de 10 réus terem sido condenados no primeiro julgamento, os desembargadores decidiram absolver, na decisão de agosto, dois deles: Carlos Frederico Santos de Aragão, à época do crime segurança do grupo, e Jeferson Pinto dos Santos, um dos componentes.

A última vez que os músicos haviam sido presos foi em 23 de outubro do ano passado, por determinação da juíza Marcela Moura França Pamponet, da cidade de Ruy Barbosa. Ela acatou um pedido do Ministério Público Estadual (MP-BA), ao considerar o fato de os oito terem sido condenados em segunda instância.

Willian Ricardo, Wesley Danilo, Michael Melo, John Ghendow e Alan Aragão foram presos em 24 de outubro. Já Eduardo Martins Edson Bonfim e Guilherme Augusto, que chegaram a ser considerados foragidos, se entregaram no dia 30 de outubro de 2017.

Todos os presos alegam inocência no caso. Sete deles admitem que houve ato sexual, mas com consentimento das jovens. Já John Ghendow nega autoria do crime. Ele disse que não chegou nem a ter contato com visual com as adolescentes.


Fonte: Correio / Milena Teixeira

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